sábado, 5 de janeiro de 2013

Raridade




A arara
é uma ave rara
pois o homem não pára
de ir ao mato caçá-la
para a pôr na sala
em cima de um poleiro
onde ela fica o dia inteiro
fazendo escarcéu
porque já não pode voar pelo céu.


E se o homem não pára
de caçar arara,
hoje uma ave rara,
ou a arara some
ou então muda seu nome
para arrara.
  
PAES, José Paulo. Olha o bicho.




Canção do Tamoio




Sabemos que internalizamos conceitos sobre o nosso passado que instituem uma perspectiva errônea em relação às experiências que marcam a nossa cultura. Muitos professores aproveitam  datas comemorativas para que essas noções sejam desconstruídas criticamente. Afinal, esse é o grande poder transformador. Mas aqui não precisamos esperar pelo dia 19 de abril, data em que se comemora o “Dia do Índio”, para mostrarmos  a visão romântica sobre o significado histórico dos índios. Portanto vamos falar sobre o poema “Canção do Tamoio”, obra do escritor maranhense  Antônio Gonçalves Dias. Segue abaixo o poema:

                            Índios tamoios e franceses unidos para expulsar os portugueses das terras brasileiras em 1567


I

Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.

II

Um dia vivemos!
O homem que é forte
Não teme da morte;
Só teme fugir;
No arco que entesa
Tem certa uma presa,
Quer seja tapuia,
Condor ou tapir.

III

O forte, o cobarde
Seus feitos inveja
De o ver na peleja
Garboso e feroz;
E os tímidos velhos
Nos graves concelhos,
Curvadas as frontes,
Escutam-lhe a voz!

IV

Domina, se vive;
Se morre, descansa
Dos seus na lembrança,
Na voz do porvir.
Não cures da vida!
Sê bravo, sê forte!
Não fujas da morte,
Que a morte há de vir!

V

E pois que és meu filho,
Meus brios reveste;
Tamoio nasceste,
Valente serás.
Sê duro guerreiro,
Robusto, fragueiro,
Brasão dos tamoios
Na guerra e na paz.

VI

Teu grito de guerra
Retumbe aos ouvidos
D'imigos transidos
Por vil comoção;
E tremam d'ouvi-lo
Pior que o sibilo
Das setas ligeiras,
Pior que o trovão.

VII

E a mão nessas tabas,
Querendo calados
Os filhos criados
Na lei do terror;
Teu nome lhes diga,
Que a gente inimiga
Talvez não escute
Sem pranto, sem dor!

VIII

Porém se a fortuna,
Traindo teus passos,
Te arroja nos laços
Do inimigo falaz!
Na última hora
Teus feitos memora,
Tranqüilo nos gestos,
Impávido, audaz.

IX

E cai como o tronco
Do raio tocado,
Partido, rojado
Por larga extensão;
Assim morre o forte!
No passo da morte
Triunfa, conquista
Mais alto brasão.

X

As armas ensaia,
Penetra na vida:
Pesada ou querida,
Viver é lutar.
Se o duro combate
Os fracos abate,
Aos fortes, aos bravos,
Só pode exaltar.


DIAS, Gonçalves. Canção do tamoio. In: Literatura comentada. São Paulo, Abroç, 1982. P. 56.


Ninguém melhor que  Antonio Gonçalves Dias, que se orgulhava de ser filho de português com mulher cafuza para falar do índio brasileiro. Ele tinha  sangue branco, negro e índio, a mescla étnica que domina a formação cultural brasileira. O escritor José de Alencar, seu contemporâneo e, também como ele, retratista da formação da nacionalidade, afirmou:  “Gonçalves Dias é o poeta nacional por excelência: ninguém lhe disputa na opulência da imaginação, no fino lavor do verso, no conhecimento da natureza brasileira e dos seus costumes selvagens”.

A  abra é bastante interessante porque  fala sobre a atitude heróica do índio tamoio que é representado no texto, como um indivíduo resistente às adversidades e pronto para a luta. A força aparece como um alento capaz de não apenas elogiar o índio, mas também de se sobrepor aos conflitos e problemas, pois não é fácil a situação de conflito vivida por algumas comunidades indígenas, que vivem a mercê de grandes proprietários de terra, arrozeiros, mineradores e outros personagens que cobiçam suas terras.

Maria A. Paiva Corá