sábado, 22 de outubro de 2011

OLAVO BILAC X CAETANO VELOSO




Língua portuguesa
Olavo Bilac


Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...



Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!



Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,



Em que da voz materna ouvi: "meu filho!",
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!


Ganga: resíduo de jazida
Tuba: trombeta;
Clangor: som forte
Trom: estrondo
Procela: tempestade marítima
Arrolo: canção de ninar





Língua

                                                         Caetano Veloso




Gosto de sentir a minha língua roçar 
A língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar 
A criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixa os Portugais morrerem à míngua
"Minha pátria é minha língua"
Fala Mangueira! Fala!

Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?

Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas! Cadê? Sejamos imperialistas!
Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E - xeque-mate - explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Lobo do lobo do lobo do homem
Adoro nomes
Nomes em ã
De coisas como rã e ímã
Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé
e Maria da Fé

Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?

Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria
Poesia concreta, prosa caótica
Ótica futura
Samba-rap, chic-left com banana
(- Será que ele está no Pão de Açúcar?
- Tá craude brô
- Você e tu
- Lhe amo
- Qué queu te faço, nego?
- Bote ligeiro!
- Ma'de brinquinho, Ricardo!? Teu tio vai ficar desesperado!
- Ó Tavinho, põe camisola pra dentro, assim mais pareces um espantalho!
- I like to spend some time in Mozambique
- Arigatô, arigatô!)
Nós canto-falamos como quem inveja negros
Que sofrem horrores no Gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixa que digam, que pensem, que falem.






Nota:
Assunto tratado por Bilac e Caetano: a nossa Língua pátria.
A expressão “última flor do Lácio, inculta e bela” é o primeiro verso do poema de Bilac. Esse verso é usado para designar o nosso idioma. "A última flor" é a língua portuguesa, considerada a última das filhas do latim. A expressão "inculta" fica por conta de todos aqueles que a maltratam (falando e escrevendo errado), mas que continua a ser bela. A figura de linguagem que ele utiliza  é a Perífrase, que consiste no emprego de uma palavra ou grupo de palavras para exprimir uma coisa.
Caetano usa a palavra Lusamérica”  = América portuguesa (Brasil)e a expressãolatim em pó”  = como se o latim tivesse virado pó mesmo no idioma que, apesar da origem, em nada se assemelha à língua-mãe.
Bilac e Caetano  citam  Luis Vaz de Camões, o escritor português.
Segundo Bilac, a voz materna disse “Meu filho!” na mesma língua em que Camões chorou no exílio. Já Caetano diz que gosta de sentir sua língua “roçar” a língua de Camões.
A diferença que há entre as duas colocações é que Bilac se refere a um português mais próximo do de Camões, enquanto  Caetano admite a semelhança apenas.
O texto de Bilac é mais fiel ao português falado em Portugal e podemos perceber isso  na última estrofe do seu soneto. [MAPC]